segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A Verdadeira Face do PMDB




Entrevista como o Senador Jarbas Vasconcelos,


"O PMDB é corrupto"


Senador peemedebista diz que a maioria dos integrantes do seu partido só pensa em corrupção e que a eleição de José Sarney à presidência do Congresso é um retrocesso.

A ideia de que parlamentares usem seu mandato preferencialmente para obter vantagens pessoais já causou mais revolta. Nos dias que correm, essa noção parece ter sido de tal forma diluída em escândalos a ponto de não mais tocar a corda da indignação.

Mesmo em um ambiente político assim anestesiado, as afirmações feitas pelo senador Jarbas Vasconcelos, de 66 anos, 43 dos quais dedicados à política e ao PMDB, nesta entrevista a VEJA soam como um libelo de alta octanagem.

Jarbas se revela decepcionado com a política e, principalmente, com os políticos. Ele diz que o Senado virou um teatro de mediocridades e que seus colegas de partido, com raríssimas exceções, só pensam em ocupar cargos no governo para fazer negócios e ganhar comissões.

Acusa o ex-governador de Pernambuco: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção".


O que representa para a política brasileira a eleição de José Sarney para a presidência do Senado?

É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador.

Mas ele foi eleito pela maioria dos senadores.

Claro, e isso reflete o que pensa a maioria dos colegas de Parlamento. Para mim, não tem nenhum valor se Sarney vai melhorar a gráfica, se vai melhorar os gabinetes, se vai dar aumento aos funcionários. O que importa é que ele não vai mudar a estrutura política nem contribuir para reconstruir uma imagem positiva da Casa. Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão.

Como o senhor avalia sua atuação no Senado?

Às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui. Cheguei em 2007 pensando em dar uma contribuição modesta, mas positiva – e imediatamente me frustrei. Logo no início do mandato, já estourou o escândalo do Renan (Calheiros, ex-presidente do Congresso que usou um lobista para pagar pensão a uma filha). Eu me coloquei na linha de frente pelo seu afastamento porque não concordava com a maneira como ele utilizava o cargo de presidente para se defender das acusações. Desde então, não posso fazer nada, porque sou um dissidente no meu partido. O nível dos debates aqui é inversamente proporcional à preocupação com benesses. É frustrante.

O senador Renan Calheiros acaba de assumir a liderança do PMDB...

Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem.

O senhor é um dos fundadores do PMDB. Em que o atual partido se parece com aquele criado na oposição ao regime militar?

Em nada. Eu entrei no MDB para combater a ditadura, o partido era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o pluripartidarismo, o MDB foi perdendo sua grandeza. Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos.

Para que o PMDB quer cargos?

Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.
Quando o partido se transformou nessa máquina clientelista?

De 1994 para cá, o partido resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer eleição. Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou com Dilma Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado.

Por que o senhor continua no PMDB?

Se eu sair daqui irei para onde? É melhor ficar como dissidente, lutando por uma reforma política para fazer um partido novo, ao lado das poucas pessoas sérias que ainda existem hoje na política.
Lula ajudou a fortalecer o PMDB. É de esperar uma retribuição do partido, apoiando a candidatura de Dilma?

Não há condições para isso. O PMDB vai se dividir. A parte majoritária ficará com o governo, já que está mamando e não é possível agora uma traição total. E uma parte minoritária, mas significativa, irá para a candidatura de Serra. O partido se tornará livre para ser governo ao lado do candidato vencedor.
O senhor sempre foi elogiado por Lula. Foi o primeiro político a visitá-lo quando deixou a prisão, chegou a ser cotado para vice em sua chapa. O que o levou a se tornar um dos maiores opositores a seu governo no Congresso?

Quando Lula foi eleito em 2002, eu vim a Brasília para defender que o PMDB apoiasse o governo, mas sem cargos nem benesses. Era essencial o apoio a Lula, pois ele havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética. Também não fez reforma tributária, não completou a reforma da Previdência nem a reforma trabalhista. Então eu acho que já foram seis anos perdidos. O mundo passou por uma fase áurea, de bonança, de desenvolvimento, e Lula não conseguiu tirar proveito disso.

A favor do governo Lula há o fato de o país ter voltado a crescer e os indicadores sociais terem melhorado.

O grande mérito de Lula foi não ter mexido na economia. Mas foi só. O país não tem infraestrutura, as estradas são ruins, os aeroportos acanhados, os portos estão estrangulados, o setor elétrico vem se arrastando. A política externa do governo é outra piada de mau gosto. Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. É um governo medíocre. E o mais grave é que essa mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso.
Mas esse presidente que o senhor aponta como medíocre é recordista de popularidade. Em seu estado, Pernambuco, o presidente beira os 100% de aprovação.
O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.

O senhor não acha que o Bolsa Família tem virtudes?

Há um benefício imediato e uma consequência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. Em algumas regiões de Pernambuco, como a Zona da Mata e o agreste, já há uma grande carência de mão-de-obra. Famílias com dois ou três beneficiados pelo programa deixam o trabalho de lado, preferem viver de assistencialismo. Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece.

A oposição está acuada pela popularidade de Lula?

Eu fui oposição ao governo militar como deputado e me lembro de que o general Médici também era endeusado no Nordeste. Se Lula criou o Bolsa Família, naquela época havia o Funrural, que tinha o mesmo efeito. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso. A popularidade de Lula não deveria ser motivo para a extinção da oposição. Temos aqui trinta senadores contrários ao governo. Sempre defendi que cada um de nós fiscalizasse um setor importante do governo. Olhasse com lupa o Banco do Brasil, o PAC, a Petrobras, as licitações, o Bolsa Família, as pajelanças e bondades do governo. Mas ninguém faz nada. Na única vez em que nos organizamos, derrotamos a CPMF. Não é uma batalha perdida, mas a oposição precisa ser mais efetiva. Há um diagnóstico claro de que o governo é medíocre e está comprometendo nosso futuro. A oposição tem de mostrar isso à população.

Para o senhor, o governo é medíocre e a oposição é medíocre. Então há uma mediocrização geral de toda a classe política?

Isso mesmo. A classe política hoje é totalmente medíocre. E não é só em Brasília. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais também fazem o mais fácil, apelam para o clientelismo. Na política brasileira de hoje, em vez de se construir uma estrada, apela-se para o atalho. É mais fácil.

Por que há essa banalização dos escândalos?

O escândalo chocava até cinco ou seis anos atrás. A corrupção sempre existiu, ninguém pode dizer que foi inventada por Lula ou pelo PT. Mas é fato que o comportamento do governo Lula contribui para essa banalização. Ele só afasta as pessoas depois de condenadas, todo mundo é inocente até prova em contrário. Está aí o Obama dando o exemplo do que deve ser feito. Aqui, esperava-se que um operário ajudasse a mudar a política, com seu partido que era o guardião da ética. O PT denunciava todos os desvios, prometia ser diferente ao chegar ao poder. Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção. O pensamento típico do servidor desonesto é: "Se o PT, que é o PT, mete a mão, por que eu não vou roubar?". Sofri isso na pele quando governava Pernambuco.

É possível mudar essa situação?

É possível, mas será um processo longo, não é para esta geração. Não é só mudar nomes, é mudar práticas. A corrupção é um câncer que se impregnou no corpo da política e precisa ser extirpado. Não dá para extirpar tudo de uma vez, mas é preciso começar a encarar o problema.

Como o senhor avalia a candidatura da ministra Dilma Rousseff?

A eleição municipal mostrou que a transferência de votos não é automática. Mesmo assim, é um erro a oposição subestimar a força de Lula e a capacidade de Dilma como candidata. Ela é prepotente e autoritária, mas está se moldando. Eu não subestimo o poder de um marqueteiro, da máquina do governo, da política assistencialista, da linguagem de palanque. Tudo isso estará a favor de Dilma.

O senhor parece estar completamente desiludido com a política.

Não tenho mais nenhuma vontade de disputar cargos. Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência. Se ele ganhar, vou me dedicar a reformas essenciais, principalmente a política, que é a mãe de todas as reformas. Mas não tenho mais projeto político pessoal. Já fui prefeito duas vezes, já fui governador duas vezes, não quero mais. Sei que vou ser muito pressionado a disputar o governo em 2010, mas não vou ceder. Seria uma incoerência voltar ao governo e me submeter a tudo isso que critico.

Transcrito da VEJA de 18/2/2009 - edição 2100

Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_Post=161568&a=113

PARÁBENS SENADOR!!!
É POR CAUSA DESSA SITUAÇÃO QUE A POPULAÇÃO DO RIO DE JANEIRO VIVE NUMA SITUAÇÃO CAÓTICA HÁ MAIS DE 10 (DEZ) ANOS.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O Desafio das Drogas











Uma guerra perdida.

A violência e o crime organizado associados ao tráfico de drogas ilícitas constituem um dos problemas mais graves da América Latina. Frente a uma situação que se deteriora a cada dia, com altíssimos custos humanos e sociais, é imperativo retificar a estratégia de “guerra contra as drogas” aplicada nos últimos trinta anos na região.

As políticas proibicionistas baseadas na repressão à produção e ao tráfico bem como na criminalização do consumo, não produziram os resultados esperados. Estamos mais distantes que nunca do objetivo proclamado de erradicação das drogas.

Uma avaliação realista indica que:

A América Latina continua sendo o maior exportador mundial de cocaína e maconha, converteu-se em crescente produtora de ópio e heroína e se inicia na produção de drogas sintéticas;

Os níveis de consumo continuam se expandindo na América Latina, enquanto tendem a se estabilizar na América do Norte e Europa;

Na América Latina, a revisão em profundidade das políticas atuais é ainda mais urgente à luz de seu elevadíssimo custo humano e das ameaças às instituições democráticas.

Assistimos nas últimas décadas a:

Um aumento do crime organizado ligado ao narcotráfico e ao controle de mercados e territórios por parte dos grupos criminosos;

Um crescimento da violência a níveis inaceitáveis, afetando o conjunto da sociedade e, em particular, os pobres e jovens;

A criminalização da política e a politização do crime, bem como a proliferação de vínculos entre ambos, que se reflete na infiltração do crime organizado nas instituições democráticas;

A corrupção dos funcionários públicos, do sistema judiciário, dos governos, do sistema político e, particularmente, das forças policiais encarregadas de manter a lei e a ordem.


Romper o silêncio, abrir o debate:

O modelo atual de política de repressão às drogas está firmemente arraigado em preconceitos, temores e visões ideológicas. O tema se transformou em um tabu que inibe o debate público por sua identificação com o crime, bloqueia a informação e confina os consumidores de drogas em círculos fechados, onde se tornam ainda mais vulneráveis à ação do crime organizado.

Por isso, romper o tabu, reconhecer os fracassos das políticas vigentes e suas consequências, é uma precondição para a discussão de um novo paradigma de políticas mais seguras, eficientes e humanas.

Isso não significa condenar em bloco as políticas que custaram enormes recursos econômicos e o sacrifício de incontáveis vidas humanas na luta contra o tráfico de drogas. Tampouco implica desconhecer a necessidade de combater os cartéis e traficantes. Significa que devemos reconhecer a insuficiência dos resultados e, sem desqualificar em bloco os esforços feitos, abrir o debate sobre estratégias alternativas, com a participação de setores da sociedade que se mantiveram a margem do problema por considerar que sua solução cabe às autoridades.

A questão que se coloca é reduzir drasticamente o dano que as drogas fazem às pessoas, sociedades e instituições. Para isso, é essencial diferenciar as substâncias ilegais de acordo com o prejuízo que provocam para a saúde e a sociedade.

Políticas seguras, eficientes e fundadas nos direitos humanos implicam reconhecer a diversidade de situações nacionais bem como priorizar a prevenção e o tratamento. Essas políticas não devem negar a importância das ações repressivas para enfrentar os desafios impostos pelo crime organizado – inclusive com a participação das forças armadas, em situações limite, de acordo com a decisão de cada país.


Limites e efeitos indesejáveis das estratégias repressivas.

É imperativo examinar criticamente as deficiências da estratégia proibicionista seguida pelos Estados Unidos e as vantagens e os limites da estratégia de redução de danos seguida pela União Européia, bem como a pouca prioridade dada ao problema das drogas, por alguns países, tanto industrializados como em desenvolvimento.

A Colômbia é um exemplo claro das limitações da política repressiva promovida globalmente pelos Estados Unidos. Durante décadas, o país adotou todas as medidas de combate imagináveis, em um esforço descomunal, cujos benefícios não correspondem aos enormes gastos e custos humanos.

Apesar dos significativos êxitos da Colômbia em sua luta contra os cartéis da droga e a redução dos índices de violência e de delitos, voltaram a crescer as áreas de plantação de culturas ilícitas bem como o fluxo de drogas a partir da Colômbia e da área Andina.

O México se converteu, de maneira acelerada, em outro epicentro da atividade violenta dos grupos criminosos do narcotráfico. Isto impõe desafios enormes ao governo mexicano em sua luta contra os cartéis de drogas que substituíram os traficantes colombianos como introdutores da maior quantidade de narcóticos no mercado dos Estados Unidos. O México tem direito de reivindicar do Governo e das instituições da sociedade norteamericana um debate sobre as políticas que lá se aplicam e também de pedir à União Européia um esforço maior para a redução do consumo. A traumática experiência colombiana, sem dúvida, é uma referência para que se evite o erro de seguir as políticas proibicionistas dos Estados Unidos e que se encontrem alternativas inovadoras.

A política européia de focalizar a redução de danos causados pelas drogas como um assunto de saúde pública, por meio do tratamento dos usuários, se mostra mais humana e eficiente. Porém, ao não priorizar a redução do consumo, sob o argumento de que as estratégias de redução de danos minimizam a dimensão social do problema, a política dos países da União Européia mantém intacta a demanda de drogas ilícitas que estimula sua produção e exportação de outras partes do mundo.

A solução de longo prazo para o problema das drogas ilícitas passa pela redução da demanda nos principais países consumidores. Não se trata de buscar países culpados por tal ou qual ação ou omissão, mas sim de afirmar que os Estados Unidos e a União Européia são corresponsáveis pelos problemas que enfrentamos na região, pois seus mercados são os maiores consumidores das drogas produzidas na América Latina. É desejável, por isso, que apliquem políticas que efetivamente diminuam o nível de consumo e que reduzam significativamente o tamanho deste negócio criminoso.

A visão da América Latina: rumo a um novo paradigma.

Considerando a experiência da América Latina na luta contra o tráfico de drogas e a gravidade do problema na região, a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia se dirige à opinião pública e aos governos da América Latina, às Nações Unidas e à comunidade internacional, propondo um novo paradigma sustentado em três grandes diretrizes:

Tratar o consumo de drogas como uma questão de saúde pública.

Reduzir o consumo por meio de ações de informação e prevenção.

Focalizar a repressão sobre o crime organizado.

Nosso enfoque não é de tolerância com as drogas. Reconhecemos que as drogas provocam danos às pessoas e à sociedade. Tratar o consumo de drogas como uma questão de saúde pública e promover a redução de seu uso são precondições para focalizar a ação repressiva em seus pontos críticos: a diminuição da produção e o desmantelamento das redes de traficantes.

Para concretizar esta mudança de paradigma, propomos que a América Latina tome as seguintes iniciativas no marco de um processo global de transformação das políticas de combate ao uso de drogas ilícitas:

1. Transformar os dependentes de compradores de drogas no mercado ilegal em pacientes do sistema de saúde.

A enorme capacidade de violência e corrupção do narcotráfico só poderá ser combatida efetivamente se suas fontes de renda forem substancialmente debilitadas. Com este objetivo, o Estado deve criar as leis, instituições e regulações que permitam que as pessoas dependentes de drogas deixem de ser compradores no mercado ilegal para se transformar em pacientes do sistema de saúde. Isto, em conjunto com campanhas educativas e de informação, levaria a uma redução da demanda de drogas ilegais e à derrocada dos preços das mesmas, minando-se desta maneira as bases econômicas deste negócio criminoso.

2. Avaliar, com um enfoque de saúde pública e fazendo uso da ciência médica mais avançada, a conveniência de descriminalizar a posse de maconha para consumo pessoal.

A maconha é, de longe, a droga mais difundida na América Latina. Seu consumo tem um impacto negativo sobre a saúde, inclusive à saúde mental. Entretanto, a evidência empírica disponível indica que os danos causados por esta droga são similares aos causados pelo álcool e o tabaco. Mais importante ainda, grande parte dos danos associados à maconha – da prisão e encarceramento indiscriminado de consumidores à violência e corrupção que afetam toda a sociedade – são o resultado das políticas proibicionistas vigentes. É importante reiterar que a simples descriminalização do consumo, se não for acompanhada de políticas de informação e prevenção, pode ter como consequência o aprofundamento dos problemas de dependência.

Os Estados Unidos é provavelmente o país industrializado que dedica mais recursos à luta contra o tráfico de drogas ilícitas. O problema está na eficácia e consequência de suas ações. Sua política de encarcerar os usuários de drogas, questionável do ponto de vista do respeito aos direitos humanos e de sua eficácia, é inaplicável na América Latina, considerando a superpopulação carcerária e as condições do sistema penitenciário. Esta política repressiva propicia a extorsão dos consumidores e a corrupção da polícia.

Neste país também é descomunal a magnitude dos recursos que se usa para a interdição do tráfico e para sustentar o sistema carcerário em comparação ao que se destina para a saúde e a prevenção, tratamento ou reabilitação dos consumidores.

3. Reduzir o consumo através de campanhas inovadoras de informação e prevenção que possam ser compreendidas e aceitas pela juventude, que é o maior contingente de usuários.

As drogas afetam o poder de decisão dos indivíduos. O testemunho de ex-dependentes sobre estes riscos pode ter maior poder de convencimento que a ameaça de repressão ou a exortação virtuosa a não consumir. As mudanças na sociedade e na cultura que levaram reduções impressionantes no consumo de tabaco demonstram a eficiência de campanhas de informação e prevenção baseadas em uma linguagem clara e argumentos consistentes com a experiência das pessoas a que se destinam.

Cabe às campanhas de comunicação alertar constantemente a população em geral e os consumidores em particular sobre a responsabilidade de cada um diante do problema, os perigos que o “dinheiro fácil” gera e os custos de violência e corrupção associados ao tráfico de drogas.

A maior parte das campanhas de prevenção que hoje se desenvolvem no mundo é bastante ineficiente. Há muito que aprender com as experiências de países europeus como, por exemplo, o Reino Unido, a Holanda e a Suíça, e é preciso explorar experiências de outras regiões.

4. Focalizar as estratégias repressivas na luta implacável contra o crime organizado.

As políticas públicas deverão priorizar a luta contra os efeitos mais nocivos do crime organizado para a sociedade, como a violência, a corrupção das instituições, a lavagem de dinheiro, o tráfico de armas, o controle de territórios e populações. Nesta questão é importante o desenvolvimento de estratégias regionais e globais.

5. Reorientar as estratégias de repressão ao cultivo de drogas ilícitas.

Os esforços de erradicação devem ser combinados com a adoção de programas de desenvolvimento alternativo seriamente financiado e que contemplem as realidades locais em termos de produtos viáveis e com acesso aos mercados em condições competitivas.

Deve-se falar não somente de cultivos alternativos como também de desenvolvimento social de fontes de trabalho alternativo, de educação democrática e de busca de soluções em um contexto participativo.

Simultaneamente, é preciso considerar os usos lícitos de plantas como a coca, nos países onde existe longa tradição sobre seu uso ancestral anterior ao fenômeno de sua utilização como insumo para a fabricação de droga, promovendo medidas para que a produção se ajuste estritamente a esse tipo de consumo.

A participação da Sociedade civil e da opinião pública.

Um novo paradigma para enfrentar o problema das drogas deverá estar menos centrado nas ações penais e ser mais inclusivo no plano da sociedade e da cultura. As novas políticas devem se basear em estudos científicos e não em princípios ideológicos. Neste esforço, é preciso envolver não somente os governos, mas o conjunto da sociedade.

A percepção do problema pela sociedade, bem como a legislação sobre drogas ilícitas encontra-se em processo acelerado de transformação na América Latina. Um número crescente de lideranças da política, sociedade civil e cultura têm falado sobre a necessidade de uma mudança drástica de orientação.

O aprofundamento do debate em relação às políticas sobre consumo de drogas deve apoiar-se em avaliações rigorosas do impacto das diversas propostas e medidas alternativas à estratégia proibicionista que já estão sendo experimentadas em diversos países, buscando a redução dos danos individuais e sociais.

Esta construção de alternativas é um processo que requer a participação de múltiplos atores sociais: instituições de justiça e segurança, educadores, profissionais da saúde, líderes espirituais, as famílias, formadores de opinião e comunicadores. Cada país deve enfrentar o desafio de abrir um amplo debate público sobre a gravidade do problema e a busca das políticas mais adequadas a sua história e sua cultura.

No âmbito continental, a América Latina deve estabelecer um diálogo com o governo, com congressistas e sociedade civil dos Estados Unidos para desenvolver de forma conjunta alternativas à política de “guerra contra as drogas”. O início da administração de Barack Obama representa uma oportunidade propícia para a revisão em profundidade de uma estratégia que fracassou e a busca em comum de políticas mais eficientes e mais humanas.

Simultaneamente, no nível global, devemos avançar na articulação de uma voz e visão da América Latina capaz de influir no debate internacional sobre drogas ilícitas, sobretudo no marco das Nações Unidas e da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas.

Esta participação ativa da América Latina no debate global marcaria a transição de região-problema para região-pioneira na tomada de soluções inovadoras para a questão das drogas.

Cada país deve enfrentar o desafio de abrir um amplo debate público sobre a gravidade do problema e a busca de políticas mais adequadas a sua história e sua cultura.

Drogas e Democracia: rumo a um novo paradigma apresenta ao debate público as principais conclusões da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia.

Criada pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso do Brasil, César Gaviria da Colômbia e Ernesto Zedillo do México e integrada por 17 personalidades independentes, a Comissão avaliou o impacto das políticas de “guerra contra as drogas” e formulou recomendações para estratégias mais eficientes, seguras e humanas. As propostas apresentadas nesta Declaração configuram uma mudança profunda de paradigma no entendimento e enfrentamento do problema das drogas na América Latina.

Fonte: http://www.plataformademocratica.org/Portugues/

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

2009: Mais um ano de tragédias anunciadas.

O Risco de um Governo Policial?


Jacqueline Muniz

Tenho um grande amigo que gosta de dizer que no campo da segurança pública os governantes irão pagar por seus erros aqui mesmo, na Terra, e no dia seguinte.

Sem diretrizes políticas claras e públicas sobre o que, como e quando um policial está autorizado a agir, a usar de força, sobretudo da força letal, assistimos governantes entregarem sua virtude de decidir à má sorte das circunstâncias, tornando-se refém da imprevisibilidade dos desfechos de cada ação policial. Toda noite haverá um demônio em cada esquina, alimentado pela farsa da “moral de macho”, pelos “dedos nervosos” que atendem aos clamores por uma “guerra contra o crime”, pela busca do Santo Graal.

E nós cidadãos, eleitores, pagamos também aqui pelos erros de nossos eleitos. Não exigimos de nossos políticos uma política de segurança pública cujas regras do jogo sejam por nós conhecidas e autorizadas, de modo que saibamos o que esperar da polícia a cada situação em que ela é chamada a atuar. Livres de temores e medos.

Quanto menos políticas definidas um governante tem, mais se arrisca a ser iludido e conduzido por seus subordinados, mais todos mentem para ele, mais o negam, mais o crucificam. Uma vez que o capital do governo, na figura do governante, vai sendo gasto justificando os equívocos e as incapacidades, mais ele se afasta de sua base de sustentação, nós, os eleitores, e ao mesmo tempo fica sob controle de seus conselheiros e profetas.

Esta é uma fábula política antiga. Seus resultados e conseqüências, inevitavelmente dramáticos, são velhos conhecidos das lições tiradas da história sobre como governar organizações de força em democracias, contendo a tendência de autonomização do poder de polícia e sua perversão em “poder da polícia”, ou do policial. A reestruturação por que passou o FBI, as recentes reformas na Polícia de Nova Iorque e de Chicago servem como exemplos críticos sobre como recuperar as rédeas, sobre como retomar o governo, sobre as polícias.

Temos a ilusão de que um governante controla as polícias quando ele parece falar a sua língua. Acreditamos que está fazendo mais do que os outros, exercendo autoridade para valer, quando faz uso de falas operacionais. Daí o confronto proposto como condição, contexto, instrumento e finalidade que vai comprometendo a possibilidade real de sustentação de uma repressão qualificada, legal e legitima. Quem ganha se o governante - comandante supremo das polícias – é aconselhado a subordinar a política ao que seja a técnica do momento dos seus comandados? A rebaixar a decisão de governo ao império do chamado “tático-operacional”? A tal ponto que reproduz as mesmas justificativas, as mesmas explicações, os mesmos jargões os quais estamos cansados de ouvir? Sabemos quem perde: os que estamos nas ruas, no ir e vir diário, simples mortais. Aqueles policiais que fazem por merecer o seu mandato público e sabem que polícia não se improvisa ou se nivela por baixo aceitando as regras do jogo definidas pela bandidagem. O próprio governante.

Algemado, vai o governante sendo conduzido à sua cruz, à armadilha em que outros governantes caíram: um governo policial identificado e identificando-se alienadamente com todas as máximas policialescas sobre segurança pública. E ele, governante, agora mais um combatente-policial, olha com suspeita as ruas, como tomada por bandidos e elementos perigosos. E nós, os cidadãos, olhamos as ruas cheias de policiais em que não confiamos e de quem temos medo. Todos inseguros diante do policial inseguro em sua ação e de um governo inseguro diante de qualquer atividade policial ou ocorrência envolvendo policiais.

Polícia e exército são expressões concretas de governo sobre território, razão pela qual devem ser comandadas por civis com políticas públicas, para que não se tenham emancipações predatórias, governos paralelos, policiais, nascidos de dentro do próprio governo, como nos ensina a velha história de construção do Estado de Direito.

A polícia justifica e faz por merecer nosso mandato naquelas situações em que o emprego da força pode vir a ser necessário. É aí que esperamos, sob o governo do governante, que ela faça uso da força previsível, oportuna, suficiente, distinta dos empregos improvisados, ilegais e ineficazes da violência infernal que nos atinge nas ruas.

Notícias da Grécia.











Le Monde diplomatique Brasil
Por que a Grécia está em chamas

Repressão policial, corrupção endêmica, democracia esvaziada. Faltava, mesmo, só a crise econômica para desencadear uma revolta com características muito originais. Anarquistas e esquerda radical estão à frente. E não se trata de um fenômeno apenas grego...

Valia Kaimaki

“Amigo, seja bem-vindo ao terreno das lutas sociais. A partir de agora, você precisa proteger a si mesmo e também a suas reivindicações” Essa foi uma resposta do octogenário Leonidas Kyrkos, veterano da vida política grega e personagem-chave da esquerda local, à seguinte pergunta: “O que o senhor tem a dizer aos jovens que se manifestam atualmente?”.

Os protestos começaram depois que um rapaz de 15 anos, Alexis Grigoropoulos, foi morto pela polícia em 6 de dezembro passado. Estudantes invadiram as ruas de várias cidades gregas: Atenas, Salônica, Patras, Larissa, Iraklion, Chania (Creta), Ioannina, Volos, Kozani, Komotini. Essas manifestações espontâneas, que foram combinadas por mensagens de celular e e-mails, resultaram em explosões de violência movidas por uma raiva espantosa.

A revolta tem em sua origem múltiplos fatores, dos quais a repressão policial é apenas o mais evidente. Alexis não é a primeira vítima dessa brutalidade, mas apenas a mais jovem dentre elas. O terreno fértil no qual o levante germinou é obviamente a crise econômica, a qual já vinha atingindo duramente o país muito antes que a tempestade mundial produzisse seus efeitos. A ela, acrescenta-se uma crise política profunda, que é ao mesmo tempo sistêmica e moral. Provocada pela falta de transparência nas ações dos partidos e dos representantes políticos, ela resulta numa falta de confiança em todas as instituições do Estado.

De maneira nenhuma o homicídio de Alexis pode ser explicado como fruto de um “tropeço acidental”: o seu nome figura numa extensa lista de assassinatos e torturas contra manifestantes ou imigrantes. São crimes que até hoje permanecem impunes. Em 1985, por exemplo, outro jovem de 15 anos, Michel Kaltezas, foi morto por um policial. O agente acabou absolvido pelo sistema judiciário grego, que ficou com uma péssima imagem perante a sociedade.

Isso não quer dizer que as forças da ordem atenienses ajam de modo diferente das de outros países da Europa. Mas, na Grécia, as feridas da ditadura (1967-1974) permanecem abertas. O subconsciente coletivo não se esqueceu do período de trevas que dominou o país durante sete anos. Os gregos não perdoam facilmente. Isso explica a grande dessemelhança desses acontecimentos com os eventos nas cidades periféricas da França em 2005, que fizeram com que o futuro presidente Nicolas Sarkozy, então ministro do Interior, pudesse proferir o discurso sedutor “da lei e da ordem”.

A Syriza, uma aliança dos movimentos de esquerda radical, consegue se comunicar com os jovens. Daí a expansão espetacular de sua popularidade: de 5,04 % de votos, nas eleições legislativas de setembro de 2007 para 13% agora, segundo pesquisas.

Os gregos, pelo contrário, formam uma frente única contra a repressão. Um movimento tão forte que vem abalando as fundações do governo de direita. Entre os líderes dessa aliança há representantes de uma geração que está longe de ser adulta. Não é por menos. A vida cotidiana dos estudantes colegiais se caracteriza por uma escolarização intensiva, cujo principal objetivo é conquistar uma vaga na universidade. A seleção é rigorosa, e os jovens se preparam para enfrentá-la a partir dos 12 anos de idade. Os felizes vencedores descobrem então a realidade da vida depois da faculdade: no melhor dos casos, eles conseguirão um emprego remunerado com um salário de 700 euros por mês (cerca de R$ 2.100). Há muito tempo, a Grécia vem lidando com essa “geração que vale 700 euros”.

Alguns dos seus membros reúnem-se em uma associação chamada “Geração 700”, ou “G700”, que se esforça para fazer com que sua voz seja ouvida, ao mesmo tempo em que oferece serviços jurídicos gratuitos a seus membros. Isso porque até aqueles que têm a “sorte” de ganhar esses 700 euros são contratados como prestadores de serviços terceirizados.

Nesse país, o contrato de duração determinada (CDD) constitui uma exceção, uma vez que dá direito à seguridade social, ao décimo terceiro salário, a indenizações em caso de demissão e outras “regalias”. Em contrapartida, os contratos dos terceirizados, frequentes inclusive nos serviços públicos, não são regidos pelo direito trabalhista. Em vez de “trabalho precário”, fala-se na “locação” de trabalhadores.

É contra essa violência que os jovens reagem com brutalidade. “Os índices de avaliação da situação econômica atual e das expectativas dos cidadãos em relação ao futuro alcançaram um nível tão baixo que já constituem um recorde”, observa Stratos Fanaras, integrante do instituto de estudos estatísticos Metron Analysis. “As pessoas estão muito decepcionadas e não têm nenhuma esperança de que a situação possa melhorar. E isso independentemente da classe social, do nível educacional ou do sexo. A Fundação dos Estudos Econômicos e Industriais, que publica um relatório todo mês desde 1981, constata também um nível excepcionalmente baixo do índice que mede o dinamismo econômico”, completa.

Em meio a esse ambiente de desânimo, os cidadãos comuns acabam não dispondo das informações e instrumentos necessários para analisar a situação do país. São arrancados da passividade apenas pela violência policial, que termina por definir os campos de conflito. Geralmente desnorteados, “eles percebem os assassinatos como ações que se inscrevem claramente dentro de uma lógica maniqueísta”, prossegue Stratos Fanaras. “A tragédia de Alexis lhes permitiu distinguir novamente o ‘bem e o mal’ e, portanto, tomar partido”.

Esse engajamento, porém, não está verdadeiramente vinculado à política, tamanha é a descrença dos jovens no sistema e nos partidos. Em resumo, três agremiações vêm dominando a cena política grega desde os anos 1950. Os dois grandes partidos, a Nova Democracia (de direita) e o Pasok (socialista), dividem o poder entre si. Já o Partido Comunista (KKE, também chamado de “do exterior”) não consegue aparecer como uma força alternativa em condições de oferecer soluções, principalmente porque insiste em manter sua tradição stalinista [1].

Por sua vez, a Syriza, uma aliança dos movimentos que pertencem à esquerda radical, oriundos em sua maioria do Partido Comunista chamado “do interior”, fundado em 1968, parece conseguir se comunicar melhor com os jovens. Daí a expansão espetacular de sua popularidade: embora não obtivesse mais que modestos 5,04% de votos, nas eleições legislativas de setembro de 2007, seis meses mais tarde as pesquisas lhe atribuíam 13% das preferências.

Os jovens afirmam que, num país onde predomina a corrupção, ninguém corre o risco de ser punido. Os manifestantes mais radicais quebram e incendeiam as cidades. Em Atenas, reúnem-se na praça Exarchia, onde Alexis foi morto e onde a juventude venceu a ditadura, em 1973.

A eleição de um jovem de 33 anos, Alexis Tsipras, integrante da Coalizão da Esquerda e do Progresso, principal força da Syriza, contribuiu amplamente para essa ascensão. Seu posicionamento original em relação aos problemas atuais e suas “jogadas midiáticas” – que incluíram a escolha de uma jovem imigrante para acompanhá-lo na grande recepção oferecida pelo presidente – permitiram-lhe conquistar a simpatia de uma parte da juventude. Mesmo depois da sua estabilização nas pesquisas de opinião, a Syriza conta atualmente com 8% das intenções de voto, muito à frente de um KKE que se revela incapaz de compreender essa transformação.

A disputa pela supremacia no âmbito da esquerda contestatória motivou os comunistas a aprovar o governo da Nova Democracia e o partido do Alarme Popular Ortodoxo (LAOS, de extrema direita [2]), que denunciavam publicamente a Syriza como sendo um “refúgio dos arruaceiros”. Claro, eles precisavam de um bode expiatório para distrair a opinião pública sobre as verdadeiras causas da crise. Já o Pasok prefere manter-se calado, com a esperança de retornar mais rápido do que o previsto ao poder.

O governo atual tem uma grande responsabilidade pela situação de conflito que vive o país. Eleito pela primeira vez em 2004, o primeiro-ministro Kostas Karamanlis prometeu um governo transparente, mas agora está atolado, junto com sua equipe, em escândalos ainda mais graves do que os de seus predecessores. As denúncias giram em torno de subornos, nepotismo e desvio de verbas públicas. O mais recente deles diz respeito à venda ilegal de terras estatais aos monges do monte Áthos. Os autores do processo ilícito permanecem desconhecidos.

Os jovens estão totalmente corretos quando afirmam que, num país onde predomina a corrupção, ninguém corre o risco de ser punido. Escondendo o rosto com lenços ou capuzes – aliás, eles são chamados de “os encapuzados” –, os manifestantes mais radicais quebram e incendeiam as cidades gregas.

Em Atenas, eles costumam se reunir na praça Exarchia, mesmo local onde Alexis foi morto. O lugar tem ainda outro simbolismo: está situado ao lado da Escola Politécnica, onde a juventude travou uma batalha decisiva contra a ditadura, em 1973. Para a polícia, os enfrentamentos entre anarquistas e forças da ordem já se tornaram uma amarga tradição. “É um fenômeno novo”, observa um estudante. Até então, nas manifestações, os estudantes e os delegados dos sindicatos ocupavam a frente do cortejo. Eles eram seguidos pelos partidos políticos, entre os quais a Syriza, que sempre vinham por último.

As imagens difundidas por emissoras do mundo inteiro mostravam, sobretudo, os incêndios provocados por esses grupos. Entretanto, o espectador atento pôde constatar diferenças notáveis em relação ao espetáculo habitual. Em primeiro lugar, as multidões de “quebradores” estavam muito mais densas do que anteriormente. Além disso, eles não limitaram o palco das operações apenas a Atenas, ampliando seu raio de ação em muitas outras cidades. E principalmente, os atos de violência urbana prosseguiram ao longo de vários dias. Isso permite concluir que, desta vez, uma grande massa de jovens se envolveu nessa onda de violência. A maioria nunca tivera contato antes com o anarquismo ou outra ideologia de esquerda. Por trás das barricadas, levantadas nos mais diversos lugares estavam até estudantes de 13 e 14 anos.

O governo valeu-se dos “encapuzados” para denunciar uma “ofensa à democracia”. “De qual democracia estão falando?”, rebateram os contestadores. Não há dúvida de que os colegiais e os universitários que aderiram aos protestos atacaram a polícia a pedradas. É verdade também que eles destruíram agências bancárias. Mas, alguns dias antes, esse governo, indiferente ao afundamento na miséria de centenas de milhares de gregos, havia oferecido aos bancos mais importantes do país um polpudo pacote de 28 bilhões de euros. Essas mesmas instituições delegam para certas companhias privadas de cobrança a tarefa de forçar o pagamento dos pequenos créditos — o que elas fazem lançando mão de insultos, ameaças e confiscos.

Apesar de se revelar violenta em muitos casos, a cólera da juventude nem por isso é politizada. Mas isso poderia ser diferente quando os próprios partidos, com a exceção dos da extrema esquerda, mantêm-se indiferentes às exigências do movimento? “Nada obtivemos. Nenhuma abertura de diálogo, nem mesmo uma troca de mensagens e menos ainda sinais de que conclusões foram tiradas do ocorrido. Eles agem como se tivessem optado por esperar que os jovens se cansem da ‘quebradeira’ para que a revolta seja encerrada”, comenta o analista Fanaras. Ele avalia ainda que muitos dos manifestantes terão de se conformar e voltar para casa com as mãos abanando... Até a próxima provocação ou pretexto.

Enquanto isso, outros serão atraídos pelos grupos violentos. “Este já havia sido o caso depois do assassinato de Michel Kaltezas”, confirma o ex-jornalista Alexandre Yiotis, um antigo anarcocomunista que no passado fora um membro ativo dessa vertente na França, na Espanha e na Grécia. E acrescenta: “Os estudantes revoltados naquela época foram reforçar, entre outras, as fileiras da organização terrorista 17 de Novembro”. Aposentado do ativismo, Yiotis aponta ainda que a maior parte das bandeiras erguidas durante as manifestações combinava as cores vermelho e preto, simbolizando a união do comunismo e do anarquismo.

Na propaganda de Estado que vem sendo divulgada pela mídia, sobretudo pela televisão, dois elementos chamam a atenção. O primeiro diz respeito ao papel dos imigrantes nos acontecimentos. Um dos comentários apontou que os saques das lojas incendiadas foram perpetrados por imigrantes esfomeados. Em outro programa foi dito que, na Ásia, “esta constitui uma prática comum: protestar, quebrar, furtar!” Ora, está claro que os manifestantes violentos foram recrutados essencialmente entre os autóctones, revoltados contra um sistema político corrupto. E se alguns ciganos tomaram parte nas depredações, tratava-se para eles, sobretudo, de vingar seus familiares, vítimas esquecidas da repressão policial.

O movimento ganha aliados em outros países da Europa. A razão é simples: essa é a primeira geração, desde a Segunda Guerra Mundial, a perder as esperanças de viver melhor que seus pais. E não se trata de um fenômeno exclusivamente grego...

Além disso, em certos lugares multidões esfomeadas de fato perpetraram saques, mas a maioria era exclusivamente grega. “Este é um fenômeno novo”, observa um estudante “Até então, nas manifestações, os estudantes e os delegados dos sindicatos ocupavam a frente do cortejo. Eles eram seguidos pelos partidos políticos, entre os quais a Syriza, que sempre vinha por último". "Depois apareciam os anarquistas e, quando o conflito começava, estes entravam nas fileiras da Syriza… E todo mundo levava uma surra. Agora, depois dos anarquistas, começou a aparecer um novo bloco: o dos esfomeados. Quer sejam imigrante, drogados ou desesperados, eles sabem que nas manifestações conseguirão encontrar comida”.

O poder e a mídia também lançaram mão de outra invenção: “cidadãos irados” teriam se organizado, entre si, para defender a lei e rechaçar os “quebradores”. Mas foi justamente o contrário que aconteceu: eles tentaram expulsar… os policiais militares! Pequenos comerciantes interpelaram os agentes da ordem, intimando-os aos berros a se retirar, enquanto transeuntes se jogavam sobre eles para libertar os estudantes presos.

Tomando consciência de que não era mais possível manter seus filhos em casa, pais e avôs foram para as ruas junto com eles para protegê-los. Um mundo às avessas… Será esse um movimento de longa duração? “Considerando que a crise econômica mundial em breve tomará conta do nosso país, que uma grande parte da juventude permanecerá marginalizada, que a situação da educação não irá melhorar tão cedo e que nós estamos muito longe de assistir ao fim da corrupção política, não faltará combustível para alimentar essa fogueira”, sublinha o jornalista e analista político Dimitris Tsiodras.

O movimento ganha aliados em outros países da Europa. A razão é simples: essa é a primeira geração, desde a Segunda Guerra Mundial, a perder as esperanças de viver melhor que seus pais. E não é um fenômeno exclusivamente grego.

[1] A ponto de considerar que a União Soviética morreu em 1956, o ano do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, que foi o palco do relatório secreto de Nikita Kruchov e do começo da desestalinização.

[2] Com esse partido racista e antissemita, a extrema direita voltou a ocupar assentos no Parlamento, em 2007, pela primeira vez desde 1974.

Fonte: Le Monde diplomatique Brasil: Por que a Grécia está em chamas?
Acesse: http://diplo.uol.com.br/2009-01,a2732