sábado, 11 de julho de 2009

Sobre o Uso da Força: 1ª Parte


PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E USO DA FORÇA

(Desafios & Perspectivas)



Antonio Carlos Carballo Blanco


Un estado existe donde hay un aparato político, instituciones de gobierno, tales como una sala de justicia, un parlamento o congreso, más funcionarios públicos civiles, gobernando sobre un territorio dado, cuya autoridad se respalda por un sistema legal y por la capacidad de emplear la fuerza para implantar sus políticas” (Anthony Giddens).


FUNDAMENTOS DO USO LEGÍTIMO DA FORÇA LEGAL


O estado é a instituição da nação política, social e juridicamente organizada, com território definido e soberania reconhecida, detentora do monopólio do uso da violência, dirigida por um governo, cuja legitimidade resulta do pacto ou contrato social consentido e celebrado entre as forças vivas de uma determinada sociedade.


No âmbito das instituições de governo, em particular, as instituições de segurança pública, o conceito que permeia o uso legítimo da força legal tem origem nas relações sociais que expressam poder, ou seja, nas relações de poder propriamente ditas, tanto as relações relacionadas com o espectro institucional que norteia a organização do estado (poderes políticos do estado, exercidos pelo legislativo, judiciário e executivo) quanto àquelas que estão presentes no cotidiano social. As relações de poder, consubstanciadas em suas distintas manifestações, pressupõem a existência de política, política esta compreendida no seu sentido pleno, nas suas múltiplas dimensões.


O poder instrumental do governo, poder administrativo, também denominado poder de polícia[1], é exercido por instituições e por autoridades legalmente constituídas que detém mandato com capacidade de fazer uso da força coercitiva, em defesa do interesse público.


O mandato de polícia, portanto, corresponde, em última instância, ao conjunto de competências organizacionais e gerenciais contratadas entre sociedade e estado, que disciplinam o exercício próprio do poder de polícia, seus limites e alcances.


Poder-se-ia, portanto, arriscar a afirmação de que o uso legítimo da força legal, característica intrínseca dos estados modernos, expressa uma relação de poder consentida socialmente que corresponde a um ato político, jurídico e administrativo de governo, decorrente do monopólio estatal da violência e, via de conseqüência, da própria capacidade coercitiva do estado, sempre balizada pelo interesse público, que se expressa através das autoridades policiais dos distintos órgãos de segurança pública que compõem a administração pública, as quais possuem a fundamental investidura legal para o exercício do cargo e das suas funções pertinentes. Nesse sentido, o ato de polícia é um ato político.


Destarte, é no exercício pleno da autoridade policial[2], legitimada pela existência de um sistema legal mandatário e pela capacidade de empregar a força para fazer cumprir a lei, que a expressão política do uso da força é exteriorizada, seja de forma latente ou manifesta.


Essa aparente dualidade não é ambivalente, mas sim complementar e retrata duas importantes dimensões inerentes ao uso legítimo da força legal: a faculdade do uso legítimo da força legal e o ato concreto do uso legítimo da força legal.


A primeira dimensão nos remete ao conceito de poder de polícia que denota o poder administrativo ou a capacidade instrumental imanente e indelegável da administração pública, exercida através das autoridades legalmente constituídas, “para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio estado” (Meirelles, Hely Lopes – Direito Administrativo da Ordem Pública. 2ª edição – Rio de Janeiro: Forense, 1987).A segunda dimensão se refere ao ato de polícia em si que possui três atributos[3]: discricionariedade[4], auto-executoriedade e coercibilidade. A análise desses atributos do ato de polícia em face da aplicação do poder de polícia e do emprego coercitivo e legítimo da força legal pelas autoridades da segurança pública indica, em tese, as seguintes considerações de interesse: 1) No marco do atributo da discricionariedade, o uso legítimo da força legal pressupõe, por parte da autoridade de segurança pública, em razão da existência de eventual interesse público superior, uma avaliação responsável sobre a oportunidade e a conveniência de agir de forma coercitiva; 2) Todo e qualquer ato de polícia pautado pelo uso legítimo da força legal, sobretudo enquanto força de coerção física e / ou moral, pressupõe obediência às normas legais, técnicas e procedimentais; 3) O emprego coercitivo e legítimo da força legal pelas autoridades da segurança pública não legitima nem tampouco legaliza a violência desnecessária ou desproporcional a uma eventual resistência oferecida.


No marco do estado de direito, poder e ação de polícia são, portanto, faces de uma mesma moeda e partes constituintes dos fundamentos teleológicos para o emprego coercitivo e legítimo da força legal pelas autoridades da segurança pública.


O poder representa uma condição potencial do ato de polícia enquanto o ato em si se traduz uma condição imediata de aplicação prática dos atributos que caracterizam a manifestação pública da autoridade de segurança encarregada de preservar a ordem pública e de cuidar da incolumidade das pessoas e do patrimônio.


É justamente a combinação dessas condições, legitimadas através do consentimento social e legalizadas por intermédio de um mandato de polícia, que reforça as distintas percepções, expectativas e demandas sociais que estão pautadas no imaginário coletivo, principalmente em torno da possibilidade de emprego coercitivo e legítimo da força legal pelas autoridades da segurança pública, especialmente nas hipóteses de relações conflituosas críticas que requeiram a mediação da autoridade policial encarregada de fazer cumprir a lei.



[1] Artigo 78 do Código Tributário Nacional: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinado direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público”.

[2] Tácito, Caio. Princípio de Legalidade e Poder de Polícia. Revista de Direito, Rio de Janeiro, Volume nº 5, nº 10. julho/dezembro, 2001. “... a teoria do desvio de poder... permite condicionar a competência da autoridade, impedindo que possa ser posta a serviço de interesses que não se compatibilizem com a finalidade específica que, em cada caso, autoriza a ação unilateral e imperativa da administração pública”.

[3] Hely Lopes Meirelles, sobre os três atributos do ato de polícia:

“A discricionariedade traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Não se confunde, porém, ato discricionário com ato arbitrário; aquele é legítimo se contido nos limites da lei; este é sempre ilegal, por desbordante da lei”.

“A auto-executoriedade é a faculdade de a administração julgar e executar diretamente a sua decisão, por seus próprios meios, sem intervenção do Poder Judiciário. Reafirmamos que o ato de polícia administrativa é, em regra, discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e a forma de sua realização. Neste caso, a autoridade só poderá praticá-lo, validamente, atendendo a todas as exigências da lei ou do regulamento pertinente”.

A coercibilidade é a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração. Realmente, todo ato de polícia é imperativo para o seu destinatário, admitindo até mesmo o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando resistido pelo administrado, mas, todavia, não legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência oferecida. Em tal caso, a conduta do mandante pode caracterizar-se em excesso de poder e abuso de autoridade, ensejadores de responsabilidade administrativa, civil ou criminal, para o agente arbitrário.

[4] Tácito, Caio. Princípio de Legalidade e Poder de Polícia. Revista de Direito, Rio de Janeiro, Volume nº 5, nº 10. julho/dezembro, 2001. “O fortalecimento do poder discricionário – do qual o poder de polícia é uma das manifestações mais atuantes – colocou em destaque a necessidade de aperfeiçoamento do controle de legalidade de modo a conter, oportunamente, os excessos ou violências da administração pública”.

“... o exame da motivação do ato permitirá ao controle da legalidade avaliar se o nexo causal entre os motivos e o resultado do ato administrativo atende a dois outros requisitos essenciais: o da proporcionalidade e o da razoabilidade, que são igualmente princípios fundamentais condicionantes do poder administrativo”.

Nenhum comentário: