sábado, 11 de julho de 2009

Sobre o Uso da Força: 4ª Parte







MODELOS, METODOLOGIAS E PADRÕES MÍNIMOS DO USO DA FORÇA.
Os modelos, as metodologias / processos, as normas legais de procedimento e as regras de engajamento constituem tão somente, parâmetros ou padrões mínimos que norteiam a ação policial e que podem ser aplicados no nível gerencial, tático ou operacional, como medida de planejamento, análise reflexiva e controle num contexto circunstancial, mediato ou imediato, de aplicação do uso comedido da força legal.

Destarte, é importante destacar que, no âmbito da particular dinâmica do emprego do uso comedido da força legal, não há receita nem tampouco fórmula exata pré-estabelecida.

Cada situação de interação crítica decorrente da ação de polícia, a partir da relação estabelecida entre a autoridade policial e o indivíduo social reserva um conjunto de características singulares, cujas percepções, ações e reações não podem ser mensuradas, organizadas e sistematizadas num único procedimento, como se fosse possível adotar um padrão universal.

Cada caso é um caso, único e exclusivo, e exige da autoridade policial a compreensão dos distintos aspectos e fatores de natureza ambiental e comportamental que incidirão no processo particularizado de tomada de decisão com vistas à mediação e solução pacífica dos conflitos.

Nesse sentido, à guisa de fornecer subsídios para pensar modelos, metodologias / processos, regras de engajamento e normas de procedimentos aplicados à realidade brasileira, a literatura policial internacional nos oferece inúmeros exemplos bastante interessantes, dentre os quais destacamos: a) o modelo FLECT do uso comedido da força legal ; b) a doutrina de gerenciamento de crises ; e, c) o modelo ICS (Incident Command System ).


CONCLUSÃO


Dentre os inúmeros fatores concorrentes para a conformação do modelo brasileiro em face do exercício do poder administrativo instrumental coercitivo, consubstanciado no conceito de poder de polícia, verifica-se em tese que a principal razão condicionante para a aplicação do uso “legítimo” da força “legal” policial por parte das autoridades policiais encarregadas de fazer cumprir a lei, encontra-se engendrada na própria cultura política, jurídica e social da nação.

Tal hipótese está alicerçada na dicotomia existente entre a concepção de serviço público e o exercício de poder de polícia administrativo. Em outras palavras, o exercício do poder de polícia administrativo, mediante o emprego legítimo da força legal é compreendido pela sociedade como uma espécie de prestação negativa, que impõe limites à ação individual motivada por interesses particulares enquanto que o serviço público se destaca como prestação positiva do estado.

É nessa contradição axiológica, conformada no âmbito de um modelo de sociedade hierárquica alicerçada desigualmente em bases relacionais, com baixíssimo nível de civilidade e de consciência cidadã, que reside no âmago do imaginário coletivo social, a falsa crendice de que o uso legítimo da força constitui um ato coercitivo negativo. O verdadeiro ato coercitivo negativo, espécie de prestação negativa do estado, é aquele que decorre do desvio de poder, mormente caracterizado como abuso de autoridade, violência arbitrária ou qualquer outro tipo penal que venha configurar o estado de ilicitude.

Esse pensamento, de um lado, negligencia as conquistas democráticas da civilização, a própria idéia de estado democrático social de direito, enfim os fundamentos da legitimidade e do consentimento social pactuado na forma de contrato, e do outro lado da mesma moeda subverte a noção de interesse público enquanto prestação positiva do estado que incide sobre a qualidade de vida e o bem estar social da coletividade.

A superação do atual paradigma, independentemente das eventuais idiossincrasias, somente será possível através da redução do déficit de consciência cidadã, individual e coletiva, que tanto caracteriza a sociedade brasileira.

Não obstante, também não se pode deixar de reconhecer a existência de outros fatores correlatos ao modelo de organização e funcionamento das instituições policiais encarregadas de fazer cumprir a lei. Nesse sentido, urge de forma imperiosa, a premente necessidade em se estabelecer no âmbito nacional um marco legal específico de regulação, devidamente ajustado aos diplomas internacionalmente reconhecidos, com vistas à aplicação do uso comedido da força legal.

Outro aspecto relevante que deve nortear a formulação de políticas de segurança pública, objetivas e consistentes, sem desmerecer outras iniciativas nas áreas de gestão, modernização e moralização das instituições policiais, é a valorização do profissional encarregado de fazer cumprir a lei. Parafraseando o saudoso Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, o exercício legal e tecnicamente responsável na aplicação comedida do uso legítimo da força legal somente será alcançado quando as autoridades policiais forem efetivamente bem capacitadas, bem equipadas, remuneradas dignamente e motivadas para o exercício de sua função. A capacitação, a logística, a remuneração e a motivação são condicionantes interdependentes que atuam diretamente na ação policial influenciando os resultados.

Enquanto essa tríade de esforços (transformação cultural, gestão institucional e investimento no capital humano) não for devidamente equacionada, continuaremos sucumbindo diante das tragédias que nos assolam diariamente. Continuaremos vivendo numa sociedade na qual a autoridade policial é constantemente questionada (Você sabe com quem está falando?) e onde as mães (inclusive a mãe gentil Brasil) exercem o poder coercitivo sobre os seus filhos chamando a polícia. Ou será que ninguém nunca ouviu uma mãe dizer para o filho: Menino (a), se você não se comportar, vou chamar a polícia!


Principais Referências Bibliográficas:

“Código de Conduta para os Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei” (ONU – Resolução nº 34 / 169 de 1979)

Constituição da República Federativa do Brasil. 27º edição (atualizada e ampliada). Editora Saraiva, São Paulo: 2001.

Giddens, Anthony. Sociology. Polity Press, Cambridge, Inglaterra. Edição em castelhano: 2ª edição (ampliada e revisada), Alianza Editorial, S.A. Madrid: 1994.

Lazzarini, Álvaro... ‘et. al.’Direito Administrativo da Ordem Pública. 2ª edição, Forense, Rio de Janeiro: 1987.

“Princípios Básicos sobre o Emprego da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei” (8º Congresso da ONU sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, Havana, 1990).

Sobre o Uso da Força: 3ª Parte

SUPERANDO O PARADIGMA MILITARISTA DA FORÇA: O CASO BRASILEIRO.



Ao contrário do que acontece na maioria dos países do denominado primeiro mundo, em alguns países desenvolvidos e em desenvolvimento, dentre as diversas nações com distintas culturas, a questão do uso da força por partes das instituições policiais encarregadas de fazer cumprir a lei tem sido tratada no sentido da força representar um fim em si mesmo.


Em outras palavras, regra geral, os nobres ideários de servir e proteger a sociedade têm sido constantemente negligenciados a partir da falsa premissa paradigmática de que a idéia de serviço policial deva estar necessariamente subordinada à idéia de força.


Nesses estados, normalmente marcados por altos níveis de desigualdade social ou por um extremo viés autoritário, as forças vivas da sociedade e a polícia assumem papel protagonista de primeira magnitude.


Enquanto o primeiro ator, a sociedade civil, confere ao segundo ator, a polícia, um “consentimento social não declarado e seletivo” para o uso “desmedido” da força e, simbolicamente, reconhece no policial àquele indivíduo com responsabilidade funcional pela “limpeza da escória humana”, conformando assim uma nova “categoria profissional” que funciona como uma espécie de “gari social” [1], o segundo ator atua como operador de um processo de reificação desse imaginário coletivo que se reproduz na política e que permeia, especialmente, a cultura organizacional das instituições policiais que, através do exercício da autoridade, em alguns casos, assume o pragmatismo da violência arbitrária, do abuso de autoridade e da aplicação ilegítima e ilegal do uso da força.


Sob a égide do estado social democrático de direito, a população brasileira e os servidores públicos das instituições componentes dos sistemas de justiça criminal e de segurança pública, encarregadas de preservar a ordem pública e cuidar da incolumidade das pessoas e do patrimônio[2] , tem enfrentado graves dilemas de natureza moral no que concerne ao esforço cognitivo adequado, ajustado aos preceitos da civilização contemporânea, sobre o conceito, os limites e os alcances do uso legítimo da força legal.


Não obstante, muito embora existam reconhecidos esforços de melhoria da qualidade do ensino policial para tentar minimizar as demandas e expectativas contraditórias da sociedade, ainda persiste no âmbito das organizações de força o conflito entre teoria e prática.


No plano acadêmico, algumas razões podem estar direta e indiretamente associadas a esse conflito, dentre as quais se destacam: 1) A inexistência de um marco legal objetivo disciplinando a matéria; 2) Insuficiência de conteúdos programáticos específicos sobre o uso comedido da força policial; 3) Existência de padrões relacionais de subalternidade que podem comprometer a adoção plena de uma metodologia de ensino que estimule à construção de um saber crítico[3]; 4) Insuficiência de meios auxiliares de ensino adequados para o desenvolvimento do processo ensino – aprendizagem.


Sobre a primeira razão destacada, no âmbito nacional, urge determinar em lei quais são os parâmetros e os critérios que devem balizar o uso legítimo da força policial das instituições encarregadas de fazer cumprir a lei e, se for o caso, também determinar, através de decreto, a regulamentação desses parâmetros e critérios, a partir de padrões mínimos e procedimentos que devam ser obedecidos pelas autoridades policiais encarregadas de fazer cumprir a lei.


Sobre as demais razões apresentadas, talvez seja razoável considerar o policial, no bojo das suas qualificações que, em tese, estariam inscritas no perfil profissional desejável de um servidor dessa natureza, sempre consubstanciado por uma análise de ocupações próprias adstritas ao uso comedido da força legal, como sendo a autoridade com investidura legal, cujo papel principal a desempenhar é o de atuar como “administrador de emoções”. Esse exercício abstrato de elucubração poderia auxiliar numa melhor compreensão, do ponto de vista didático-pedagógico, dos limites e alcances do uso legítimo da força legal.


Esse novo conceito, ainda que formulado precariamente, permitiria, por exemplo, reconhecer no poder da autoridade policial, através da sua manifestação intrínseca e extrínseca, o seu relevante papel social na condução superior de eventuais perturbações morais que afligem o convívio harmonioso dos indivíduos em sociedade, gerando situações de conflito.


Nesse contexto de prestação de serviços policiais orientados para “administração das emoções”, o exercício da autoridade pública através da utilização da força instrumental coercitiva, abstrata e concreta, potencial e iminente, legítima e legal, sempre respaldada pelo sistema legal pré-existente, compreenderia um conjunto de saberes e práticas multidisciplinares fundamentais que estariam, sem prejuízo das técnicas profissionais necessárias, orientados para a construção de novos conteúdos programáticos que comporiam de forma integrada uma nova disciplina sobre o uso comedido da força. Destacam-se, com especial ênfase, as áreas do conhecimento da psicologia, da sociologia, do direito, da administração e da física.


Também seria de vital importância redimensionar a relação de subalternidade entre docentes e discentes, superiores e subordinados, na perspectiva da produção e no desenvolvimento de um novo conhecimento profissional que deverá estar sempre alicerçado numa metodologia de ensino que estimule a construção de um saber crítico profissional, consubstanciado, por exemplo, em dinâmicas de grupo (discussão dirigida, estudos de caso, debates...) que garantam a participação ativa de todos na análise racional das questões apresentadas.


Da mesma forma, é indispensável que exista uma infra-estrutura de ensino adequada (laboratórios de aplicação), dotada de instalações, dependências e equipamentos auxiliares objetivando o desenvolvimento pleno das atitudes e dos comportamentos procedimentais assimilados em face de situações conflituosas que requeiram o uso comedido da força nas suas múltiplas dimensões interventoras.


Nesse sentido, no ano de dois mil e sete, a Assessoria Técnica de Assuntos Especiais – ATAE do Gabinete do Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (GCG / PMERJ) elaborou uma proposta visando à implantação do Centro Integrado Especializado no Uso Comedido da Força (CIEUF), espaço multifuncional integrado destinado ao desenvolvimento de conhecimentos e atitudes e ao aperfeiçoamento de habilidades com vistas ao uso comedido da força[4].


No campo da prática policial é onde se verifica a manifestação externa do conflito axiológico entre a idéia de serviço e a idéia de força. Como já foi dito, ainda prevalece no seio da cultura organizacional das instituições encarregadas de fazer cumprir a lei, a falsa noção de que a idéia de serviço policial deve estar necessariamente subordinada à idéia de força. Em certa medida, essa forma de pensar está “legitimada” por falsas concepções do que venha a ser serviço público na doutrina administrativa[5], bem assim pelas próprias expectativas e demandas presentes e extraídas do imaginário coletivo de importantes segmentos sociais o que contribui sobremaneira para agravar a dinâmica da reprodução conflituosa entre valores.


Não obstante o reconhecimento sobre a existência de fatores de incidência, educacionais e culturais (político, jurídico, social e organizacional) que repercutem na conformação do modelo do uso comedido da força legal por parte das instituições policiais encarregadas de fazer cumprir a lei, é importante destacar quais são condicionantes intervenientes que autorizam a autoridade policial a usar da força sempre que requisitada.


CONDICIONANTES DO USO COMEDIDO DA FORÇA LEGAL


De um modo geral, no âmbito das instituições policiais encarregadas de fazer cumprir a lei, o uso legítimo da força legal compreende objetivamente quatro condicionantes básicas: 1) condicionantes legais; 2) condicionantes técnicas; 3) condicionantes fisiológicas; e; 4) condicionantes circunstanciais.


Não obstante, existem também diversos fatores, internos e externos às instituições policiais, que incidem subjetivamente sobre o comportamento da autoridade policial e influenciam o resultado decorrente da aplicação do uso legítimo da força legal. Nesse sentido, podemos destacar como um dos principais fatores externos as perturbações psicológicas geradas sobre a autoridade policial por meio da difusão de dados e informações inverídicas e fictícias insertas numa lógica especial de programação da linguagem, geralmente levada a efeito através dos diversificados veículos de comunicação social, fruto dos mais variados produtos da mídia e seus derivados e como fator interno relevante o padrão operacional que é reproduzido no âmbito de uma cultura organizacional militarista, onde a componente força, em tese, legítima e legal, atua sob a égide de um modelo de repressão desqualificada.


Como já vimos, as condicionantes legais nos remetem ao conjunto de normativas estabelecidas nos planos internacional e nacional. Desse conjunto, destacamos: a) no plano internacional, “Os Princípios Básicos sobre o Emprego da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei” (8º Congresso da ONU sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, 1990) e o “Código de Conduta para os Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei” (ONU – Resolução nº 34 / 169 de 1979); b) no plano nacional, a Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, o Código Penal e o acervo de normas procedimentais das instituições encarregadas de fazer cumprir a lei, tais como Portarias, Notas de Instrução, Planos e Ordens de Operação etc.


Com respeito às condicionantes técnicas[6], reside na formação e no treinamento continuado sua principal essência. Sem embargo, é importante reconhecer que tal esforço só produzirá resultado efetivo, na medida em que sejam observados os seguintes componentes: 1) conteúdos programáticos multidisciplinares e integrados transversalmente; 2) metodologia de ensino, dinâmica e participativa, sempre dotada de efetivos mecanismos de avaliação e de controle do processo ensino – aprendizagem; 3) instalações, dependências e meios auxiliares de ensino apropriados; e, 4) no âmbito do serviço policial propriamente dito, suporte político e administrativo adequado, compatível com os valores preconizados nos marcos legais normativos, e orientados com especial ênfase para o gerenciamento de pessoas, processos, logística e tecnologia de ponta.


Sobre as condicionantes fisiológicas, cabe salientar que o estado físico e mental da autoridade policial encarregada de fazer cumprir a lei constitui fator concorrente para o resultado decorrente do uso da força.


Nesse sentido, o regime de trabalho policial, a escala de serviço, a remuneração, o regime disciplinar, dentre outros, são aspectos importantes do trabalho policial que influencia, direta e indiretamente, o exercício da autoridade policial, na perspectiva do uso da força.


À guisa de ilustração, no âmbito das condições de trabalho, sabemos que muitos policiais se sujeitam à realização de serviços fora do horário normal de serviço, os famigerados “bicos”, principalmente em razão da baixa remuneração percebida, como forma de complementação de renda.


Nesse contexto, por exemplo, além do sedentarismo profissional decorrente da falta de tempo para a educação física e intelectual e treinamento, as escalas de serviço policial ostensivo com doze horas ou mais de duração, a escalação para serviços extraordinários e a ineficiência do sistema de gerenciamento de pessoas, processos e tecnologia, geram estresse e propiciam desgaste físico e mental[7].


Em muitas instituições encarregadas de fazer cumprir a lei, a dinâmica dos acontecimentos exige das organizações policiais respostas imediatas que, via de regra, acaba por acarretar práticas gerenciais negligentes por um lado e complacentes por outro, que podem culminar com a ocorrência de resultados não desejados por parte da administração, como por exemplo, o desvio de conduta profissional, a morte de policiais em situação caracterizada como acidente de serviço, a morte de civis inocentes, além de diversos traumas que podem resultar na incapacidade física e mental de civis e do próprio servidor público encarregado de fazer cumprir a lei[8].


No que tange às condicionantes circunstanciais, a autoridade policial deverá atentar, mesmo sendo alvo de uma agressão grave e injusta para a exposição concreta de inocentes a situações de perigo real e iminente e suas conseqüências trágicas. Nessas ocasiões, “onde houver a probabilidade de um inocente vir a ser atingido, o policial tem a obrigação de recuar e solicitar apoio, aguardando assim uma condição mais propícia para abordar e realizar a prisão do delinqüente e até mesmo, se for o caso, de possibilitar a fuga do criminoso armado” (Nota de Instrução PMERJ nº 10/83).



[1] Muniz, Jacqueline – “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”, Tese de doutorado, IUPERJ, 1999.

[2] Artigo 144 da Constituição da República Federativa do Brasil: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio...”.

[3] Ministério da Justiça, PNUD & FIRJAN, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Arquitetura do Sistema Único de Segurança Pública, Formação, 2004.

[4] Teixeira, Paulo Augusto. Tenente – Coronel – Proposta da ATAE, GCG / PMERJ: “A proposta abrange todos os estágios do gradiente do uso da força e privilegia o desenvolvimento das diferentes interfaces que compreende o homem, os processos e os mecanismos tecnológicos. O conceito de centro integrado permite agregar diversas áreas do saber, como a mediação de conflitos, o método global de autodefesa e o emprego de armas não – letais e letais, propiciando uma riqueza de experiências, preparando assim os policiais nas diversas áreas de sua atividade profissional. Além disso, a idéia é desenvolver procedimentos mais padronizados de controle e fiscalização da arma de fogo”.

[5] Wikipedia, in (http://pt.wikipedia.org/wiki/Poder_de_pol%C3%Adcia) “A concepção de serviço público na doutrina administrativa, historicamente, formou-se como espécie antinômica à do poder de polícia administrativo, à medida que, enquanto se tinha no primeiro uma espécie de prestação positiva do estado, no segundo, identificavam-se basicamente prerrogativas que impunham limites à ação do particular...”.

... dividem os serviços públicos entre serviços uti singuli e uti universi. O primeiro, prestados a usuários determinados de dada prestação perfeitamente mensurável. O segundo, ao contrário, serviço de caráter geral, prestado com a finalidade de atender à coletividade, sendo impossível à individuação dos beneficiários do mesmo. A delegação da prestação do serviço à iniciativa privada, in casu, será possível em relação aos serviços públicos uti singuli, nunca aos uti universi”.

[6] Alonso, Alberto Cabas. El uso de la fuerza en la intervención policial: “Los requisitos para el empleo de la fuerza son en la mayoría de los países coincidentes: 1) Inicialmente se ha de recurrir a medios no violentos (Judo Verbal); 2) La fuerza se usará solo en los casos estrictamente necesarios, siempre bajo fines lícitos marcados por la ley y de forma proporcional. (Uso de la Defensa personal Policial); 3) Se dispondrá de una gama amplia de medios para que se pueda hacer un uso diferenciado de la fuerza (Armas no Letales); e, 4) Se debe recibir adiestramiento continuado tanto en defensa personal policial, manejo o uso de armas no letales y de armas letales. Como todos sabemos, casi siempre fallan los puntos 3 y 4, es decir, No se dispone de una gama amplia de Armas no Letales, que hay muchas y muy apropiadas para usarlas en intervenciones donde por carecer de ellas se ha pasado de hacer uso de medios no violentos (Judo verbal), o de una técnica de DPP, al uso de una arma letal teniendo como resultado un desenlace fatal, tanto para la victima como para el policía que se ha visto obligado al uso de la misma. Y sobre todo, el adiestramiento continuado, suele brillar por su ausencia sin no perteneces a una unidad especializada.”

[7] Sandes, Wilquerson Felizardo. Uso não letal da força na ação policial. Fórum Brasileiro de Segurança Pública (http://www.forumseguranca.org.br/artigos/uso-nao-letal-da-forca-na-acao-policial). “Em relação à cultura policial brasileira sobre o uso da força, a pesquisadora social, Maria Aparecida Morgado entende que fatores como a ação impulsiva, descontrole emocional e despreparo técnico não são suficientes para explicar o uso desmedido da força na ação policial. Há muitos outros fatores que contribuem para essa possível manifestação de um policial, tais como aprovação popular ao uso da força e uma cultura repressiva e permissiva do estado”.

[8] Otero, Jorge. Preparador físico dos policiais do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) – “Duas Cocas Zero e a conta... por Mauro Ventura (Revista Globo, 25 de maio de 2009). “Conseguimos reduzir as lesões devidas ao esforço. A média de lesionados durante as incursões ou os treinos caiu de 83% para 17%. E, se a tropa está bem treinada fisicamente, diminuem os tipos penais, o combatente não vai errar por causa da fadiga”.

Sobre o Uso da Força: 2ª Parte



MARCOS DE REGULAÇÃO DO USO LEGÍTIMO DA FORÇA LEGAL


No plano internacional, o principal marco de regulação do uso legítimo da força legal são os “Princípios Básicos[1] sobre o Emprego da Força e de Armas de Fogo por Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei[2]”, acordados por ocasião do oitavo congresso das nações unidas sobre prevenção do delito e tratamento do delinqüente, celebrado em La Habana (Cuba), de 27 de agosto a 07 de setembro de 1990.


O documento, subdividido em seis áreas de interesse (preâmbulo; disposições gerais; disposições especiais; atuação em caso de reuniões ilícitas; vigilância de pessoas custodiadas ou detidas; qualificações, capacitação e assessoramento; e, procedimento de apresentação de informes e recursos), oferece diretrizes gerais de ações e procedimentos especialmente focadas no gerenciamento de meios, pessoas e processos associados à complexa dinâmica que norteia as hipóteses de aplicação do uso legítimo da força legal.


No contexto do emprego da força e de armas de fogo, os referidos princípios reconhecem: 1) Que o trabalho dos funcionários encarregados de fazer cumprir a lei constitui um serviço social de grande relevância e, por essa razão é preciso melhorar as condições de trabalho e a situação desses funcionários; 2) Que a ameaça à vida e a segurança dos funcionários encarregados de fazer cumprir a lei deve ser considerada uma ameaça à estabilidade de toda a sociedade; 3) Que os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei desempenham um papel fundamental na proteção do direito a vida, a liberdade e a segurança das pessoas; 4) Que os funcionários poderão usar a força quando seja estritamente necessário e na medida que requeira o desempenho de suas tarefas; e, 5) Que o emprego da força e armas de fogo por parte dos funcionários encarregados de fazer cumprir a lei deve estar conciliado com o devido respeito aos direitos humanos.


Sobre as disposições gerais, os princípios estabelecem: 1) Os governos e os organismos encarregados de fazer cumprir a lei adotarão e aplicarão normas e regulamentações sobre o emprego da força e de armas de fogo; 2) Os governos e os organismos encarregados de fazer cumprir a lei estabelecerão uma série de métodos amplos e dotarão os funcionários de distintos tipos de armas e munições de modo que possam fazer um uso diferenciado da força e das armas de fogo[3]; 3) Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei, na medida do possível, utilizarão meios não violentos antes de recorrer ao emprego da força e de armas de fogo; 4) Quando o emprego de armas de fogo seja inevitável, os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei: a) Exercerão moderação e atuarão na proporção da gravidade do delito e ao objetivo legítimo que se persiga; b) Reduzirão ao mínimo os danos e lesões e respeitarão e protegerão a vida humana; c) Socorrerão os feridos e notificarão seus parentes ou amigos; 5) Quando empregar a força ou armas de fogo ocasionarem lesões ou morte, os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei comunicarão imediatamente o ocorridos aos seus superiores; e, 6) Os governos deverão adotar as medidas necessárias para que seja punido como delito o emprego arbitrário ou abusivo da força ou de armas de fogo por parte dos funcionários encarregados de fazer cumprir a lei.


Sobre as disposições especiais, os princípios estabelecem: 1) Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei não empregarão armas de fogo salvo em defesa própria ou de outras pessoas, em caso de perigo iminente de morte ou lesões graves ou com o propósito de evitar o cometimento de um delito particularmente grave que represente uma série ameaça para a vida, ou com o objetivo de deter uma pessoa que represente esse perigo e ofereça resistência a sua autoridade ou para impedir a sua fuga, e somente no caso de que resulta insuficiente adoção de medidas menos extremas[4]; 2) As normas e regulamentações sobre o emprego de armas de fogo pelos funcionários encarregados de fazer cumprir a lei devem conter diretrizes que: a) Especifiquem as circunstâncias em que os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei estariam autorizados a portar armas de fogo e que tipos de armas de fogo e munições estão autorizados; b) Assegurem que as armas de fogo sejam utilizadas somente nas condições e situações tecnicamente apropriadas, para que se diminua o risco de danos desnecessários; c) Proíbam o emprego de armas de fogo e munições que possam provocar lesões não desejadas ou signifiquem um risco injustificado; d) Regulamentem o controle, armazenamento e distribuição de armas de fogo, assim como os procedimentos para assegurar que os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei respondam pelas armas de fogo e munições que receberam; e) Sinalizem orientações e avisos de advertência sempre que se vá fazer uso de armas de fogo; f) Estabeleçam um sistema de apresentação de relatórios sempre que os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei recorram ao emprego de armas de fogo no desempenho de suas funções.


Sobre a atuação em caso de reuniões ilícitas, os princípios estabelecem: 1) Os governos e os organismos e os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei reconhecerão que a força e as armas de fogo podem ser utilizadas somente: a) Ao dispersar reuniões ilícitas os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei evitarão o emprego da força ou, se não for possível, o limitará ao mínimo necessário; b) Ao dispersar reuniões violentas, os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei somente poderão utilizar armas de fogo, na mínima medida necessária, quando não se possam utilizar meios menos perigosos[5].


Sobre a vigilância de pessoas custodiadas ou detidas, os princípios estabelecem: 1) Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei, em suas relações com pessoas custodiadas ou detidas não empregarão a força, salvo quando seja estritamente necessário para manter a segurança e a ordem nos estabelecimentos ou quando ocorra perigo para a integridade física das pessoas; 2) Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei, em suas relações com pessoas custodiadas ou detidas não empregarão a força, salvo quando em defesa própria ou em defesa de terceiros quando haja perigo iminente de morte ou lesões graves, ou quando seja estritamente necessário para impedir a fuga de uma pessoa submetida à custódia ou detenção que represente esse perigo e ofereça resistência a sua autoridade.


Sobre qualificações, capacitação e assessoramento, os princípios estabelecem: 1) Os governos e os organismos encarregados de fazer cumprir a lei procurarão que todos os funcionários encarregados de cumprir a lei sejam selecionados mediante procedimentos adequados, possuam aptidões éticas, psicológicas e físicas apropriadas para o exercício eficaz de suas funções e recebam capacitação profissional contínua e completa. Tais aptidões para o exercício dessas funções serão objeto de exame periódico; 2) Os governos e os organismos encarregados de fazer cumprir a lei procurarão que todos os funcionários encarregados de cumprir a lei recebam capacitação no emprego do uso da força e sejam examinados em conformidade com normas de avaliação adequadas. Os funcionários que devam portar armas de fogo devem estar autorizados para fazê-lo somente depois de ter concluído a capacitação especializada; 3) Na capacitação dos funcionários encarregados de fazer cumprir a lei, os governos e os organismos correspondentes prestarão especial atenção nas questões de ética policial e direitos humanos, especialmente no processo de indagação, aos meios que podem substituir o emprego da força e as armas de fogo, por exemplo, a solução pacífica dos conflitos, o estudo do comportamento de multidões e as técnicas de persuasão, negociação e mediação, assim como aos meios técnicos, com vistas a limitar o emprego da força e armas de fogo. Os organismos encarregados de fazer cumprir a lei devem examinar seus programas de capacitação e procedimentos operativos à luz de casos concretos; 4) Os governos e os organismos encarregados de fazer cumprir a lei proporcionarão orientação aos funcionários que intervenham em situações em que se empregue a força ou armas de fogo para aliviar as tensões próprias dessas situações.


Sobre procedimentos de apresentação de relatórios e recursos, os princípios estabelecem: 1) Os governos e os organismos encarregados de fazer cumprir a lei estabelecerão procedimentos eficazes para a apresentação de relatórios e recursos em relação aos casos que ocasionarem lesões ou morte ou na hipótese do recurso nos casos de emprego arbitrário ou abusivo da força ou de armas de fogo[6]. 2) As pessoas afetadas pelo emprego da força e de armas de fogo ou seus representantes legais terão acesso a um processo independente, incluído um processo judicial. Em caso de morte dessas pessoas, está disposição se aplicará aos seus herdeiros; 3) Os governos e os organismos encarregados de fazer cumprir a lei adotarão as medidas necessárias para que os funcionários superiores assumam a devida responsabilidade quando tenham conhecimento ou deveriam tê-lo, de que funcionários sob seu mando recorrem, ou tem recorrido, ao uso ilícito da força e de armas de fogo, e não adotem todas as medidas a sua disposição para impedir, eliminar ou denunciar esse uso; 4) Os governos e os organismos encarregados de fazer cumprir a lei adotarão as medidas necessárias para que não se imponha nenhuma sanção penal ou disciplinar contra os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei que, em cumprimento aos códigos de conduta pertinente, se neguem a executar uma ordem de empregar a força ou armas de fogo ou denunciem esse emprego por outros funcionários; 5) Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei não poderão alegar obediência de ordens superiores se tinham conhecimento de que a ordem de empregar a força ou armas de fogo, raiz da qual ocasionou a morte ou feridas graves a uma pessoa, era manifestamente ilícita e tiveram uma oportunidade razoável de se negar a cumpri-la. De qualquer modo, também serão responsáveis os superiores que deram as ordens ilícitas.


No plano nacional verifica-se a inexistência de um marco legal específico de regulação do uso legítimo da força legal. Não obstante, há algumas condicionantes legais que incidem direta ou indiretamente sobre o uso legítimo da força legal e que estão presentes, dentre outros marcos normativos do gênero e àqueles outros de natureza procedimental, na Constituição da República Federativa do Brasil, no Código Penal (Decreto – Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940) e na Lei sobre Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898, de 09 de dezembro de 1965).


O artigo 144 da Constituição da República Federativa do Brasil ao prescrever que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio...”, impõem implicitamente um limitador ao uso da força por parte das autoridades policiais: o exercício da segurança pública pressupõe a preservação da vida e do patrimônio das pessoas. Portanto, todo e qualquer ato de polícia que potencialize riscos de mortes ou graves danos ao patrimônio caracteriza uma grave violação ao preceito constitucional e torna ilegítimo e ilegal o exercício do poder e dos atos de polícia cujo emprego da força produza resultados que comprometam ou possam vir a comprometer a integridade física dos indivíduos e de seu patrimônio.


O Artigo 25 do Código Penal preconiza o entendimento do que venha a ser legítima defesa: “Entende-se por legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Depreende-se de tal entendimento os seguintes componentes que regulam o uso legítimo da força legal para a hipótese de legítima defesa: 1) o uso moderado dos meios necessários para repelir injusta agressão (proporcionalidade da ação); 2) injusta agressão, atual ou iminente (temporalidade da ação); e, 3) a direito seu ou de outrem (legitimidade da ação).


A lei nº 4.898, de 09 de dezembro de 1965, regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, contra as autoridades[7] que, no exercício de suas funções cometerem abusos que atentem contra: a) À liberdade de locomoção; b) À inviolabilidade do domicílio; c) Ao sigilo da correspondência; d) À liberdade de consciência e de crença; e) Ao livre exercício do culto religioso; f) À liberdade de associação; g) Aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) Ao direito de reunião; i) À incolumidade física do indivíduo; j) Aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. Também constitui abuso de autoridade: a) Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) Submeter pessoa sob guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) Deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; d) Deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) Levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) Cobrar o carcereiro ou agente da autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor; g) Recusar o carcereiro ou agente da autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder, ou sem competência legal; e, i) Prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.



[1] Não se poderão invocar circunstâncias excepcionais tais como a instabilidade política interna ou qualquer outra situação pública de emergência para justificar a não observância desses princípios básicos.

[2] A expressão “funcionários encarregados de cumprir a lei” inclui a todos os agentes da lei, nomeados ou eleitos, que exercem funções de polícia, especialmente com capacidade de prisão ou detenção. Nos países onde a função de polícia é exercida por autoridades militares, uniformizadas ou não, ou forças de segurança do Estado, se considerará que a definição de funcionários encarregados de cumprir a lei compreende os funcionários desses serviços.

[3] Entre as armas deveria figurar as não letais para emprego apropriado, com vistas a restringir o emprego de meios que possam ocasionar lesões ou morte. Da mesma forma funcionários encarregados de fazer cumprir a lei deveriam contar com equipamento de proteção pessoal (escudos, capacetes e coletes balísticos, meios de transportes blindados a fim de diminuir a necessidade de armas de qualquer tipo). Deverá ser feita uma cuidadosa avaliação da fabricação e distribuição de armas não letais a fim de reduzir ao mínimo o risco de causar lesões a pessoas estranhas aos acontecimentos.

[4] Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei se identificarão e darão uma clara advertência de sua intenção de empregar armas de fogo, com tempo suficiente para que a mensagem seja compreendida, salvo se ao dar a advertência se crie um risco de morte ou danos graves ao funcionário ou a outras pessoas.

[5] Os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei se absterão de empregar armas de fogo nesses casos, salvo em defesa própria ou de outras pessoas, em caso de perigo iminente de morte ou lesões graves ou com o propósito de evitar o cometimento de um delito particularmente grave que represente uma série ameaça para a vida, ou com o objetivo de deter uma pessoa que represente esse perigo e ofereça resistência a sua autoridade ou para impedir a sua fuga, e somente no caso de que resulta insuficiente adoção de medidas menos extremas.

[6] Os governos e os organismos encarregados de fazer cumprir a lei assegurarão que se estabeleça um procedimento de revisão eficaz e que autoridades administrativas ou judiciais independentes estejam dotadas de competência em circunstâncias apropriadas. Em caso de morte e lesões graves ou outras conseqüências de importância, se enviará rapidamente um relatório detalhado às autoridades competentes para a revisão administrativa e a supervisão judicial.

[7] Considera-se autoridade, para os efeitos legais da Lei nº 4.898/65, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

Sobre o Uso da Força: 1ª Parte


PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E USO DA FORÇA

(Desafios & Perspectivas)



Antonio Carlos Carballo Blanco


Un estado existe donde hay un aparato político, instituciones de gobierno, tales como una sala de justicia, un parlamento o congreso, más funcionarios públicos civiles, gobernando sobre un territorio dado, cuya autoridad se respalda por un sistema legal y por la capacidad de emplear la fuerza para implantar sus políticas” (Anthony Giddens).


FUNDAMENTOS DO USO LEGÍTIMO DA FORÇA LEGAL


O estado é a instituição da nação política, social e juridicamente organizada, com território definido e soberania reconhecida, detentora do monopólio do uso da violência, dirigida por um governo, cuja legitimidade resulta do pacto ou contrato social consentido e celebrado entre as forças vivas de uma determinada sociedade.


No âmbito das instituições de governo, em particular, as instituições de segurança pública, o conceito que permeia o uso legítimo da força legal tem origem nas relações sociais que expressam poder, ou seja, nas relações de poder propriamente ditas, tanto as relações relacionadas com o espectro institucional que norteia a organização do estado (poderes políticos do estado, exercidos pelo legislativo, judiciário e executivo) quanto àquelas que estão presentes no cotidiano social. As relações de poder, consubstanciadas em suas distintas manifestações, pressupõem a existência de política, política esta compreendida no seu sentido pleno, nas suas múltiplas dimensões.


O poder instrumental do governo, poder administrativo, também denominado poder de polícia[1], é exercido por instituições e por autoridades legalmente constituídas que detém mandato com capacidade de fazer uso da força coercitiva, em defesa do interesse público.


O mandato de polícia, portanto, corresponde, em última instância, ao conjunto de competências organizacionais e gerenciais contratadas entre sociedade e estado, que disciplinam o exercício próprio do poder de polícia, seus limites e alcances.


Poder-se-ia, portanto, arriscar a afirmação de que o uso legítimo da força legal, característica intrínseca dos estados modernos, expressa uma relação de poder consentida socialmente que corresponde a um ato político, jurídico e administrativo de governo, decorrente do monopólio estatal da violência e, via de conseqüência, da própria capacidade coercitiva do estado, sempre balizada pelo interesse público, que se expressa através das autoridades policiais dos distintos órgãos de segurança pública que compõem a administração pública, as quais possuem a fundamental investidura legal para o exercício do cargo e das suas funções pertinentes. Nesse sentido, o ato de polícia é um ato político.


Destarte, é no exercício pleno da autoridade policial[2], legitimada pela existência de um sistema legal mandatário e pela capacidade de empregar a força para fazer cumprir a lei, que a expressão política do uso da força é exteriorizada, seja de forma latente ou manifesta.


Essa aparente dualidade não é ambivalente, mas sim complementar e retrata duas importantes dimensões inerentes ao uso legítimo da força legal: a faculdade do uso legítimo da força legal e o ato concreto do uso legítimo da força legal.


A primeira dimensão nos remete ao conceito de poder de polícia que denota o poder administrativo ou a capacidade instrumental imanente e indelegável da administração pública, exercida através das autoridades legalmente constituídas, “para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio estado” (Meirelles, Hely Lopes – Direito Administrativo da Ordem Pública. 2ª edição – Rio de Janeiro: Forense, 1987).A segunda dimensão se refere ao ato de polícia em si que possui três atributos[3]: discricionariedade[4], auto-executoriedade e coercibilidade. A análise desses atributos do ato de polícia em face da aplicação do poder de polícia e do emprego coercitivo e legítimo da força legal pelas autoridades da segurança pública indica, em tese, as seguintes considerações de interesse: 1) No marco do atributo da discricionariedade, o uso legítimo da força legal pressupõe, por parte da autoridade de segurança pública, em razão da existência de eventual interesse público superior, uma avaliação responsável sobre a oportunidade e a conveniência de agir de forma coercitiva; 2) Todo e qualquer ato de polícia pautado pelo uso legítimo da força legal, sobretudo enquanto força de coerção física e / ou moral, pressupõe obediência às normas legais, técnicas e procedimentais; 3) O emprego coercitivo e legítimo da força legal pelas autoridades da segurança pública não legitima nem tampouco legaliza a violência desnecessária ou desproporcional a uma eventual resistência oferecida.


No marco do estado de direito, poder e ação de polícia são, portanto, faces de uma mesma moeda e partes constituintes dos fundamentos teleológicos para o emprego coercitivo e legítimo da força legal pelas autoridades da segurança pública.


O poder representa uma condição potencial do ato de polícia enquanto o ato em si se traduz uma condição imediata de aplicação prática dos atributos que caracterizam a manifestação pública da autoridade de segurança encarregada de preservar a ordem pública e de cuidar da incolumidade das pessoas e do patrimônio.


É justamente a combinação dessas condições, legitimadas através do consentimento social e legalizadas por intermédio de um mandato de polícia, que reforça as distintas percepções, expectativas e demandas sociais que estão pautadas no imaginário coletivo, principalmente em torno da possibilidade de emprego coercitivo e legítimo da força legal pelas autoridades da segurança pública, especialmente nas hipóteses de relações conflituosas críticas que requeiram a mediação da autoridade policial encarregada de fazer cumprir a lei.



[1] Artigo 78 do Código Tributário Nacional: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinado direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público”.

[2] Tácito, Caio. Princípio de Legalidade e Poder de Polícia. Revista de Direito, Rio de Janeiro, Volume nº 5, nº 10. julho/dezembro, 2001. “... a teoria do desvio de poder... permite condicionar a competência da autoridade, impedindo que possa ser posta a serviço de interesses que não se compatibilizem com a finalidade específica que, em cada caso, autoriza a ação unilateral e imperativa da administração pública”.

[3] Hely Lopes Meirelles, sobre os três atributos do ato de polícia:

“A discricionariedade traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Não se confunde, porém, ato discricionário com ato arbitrário; aquele é legítimo se contido nos limites da lei; este é sempre ilegal, por desbordante da lei”.

“A auto-executoriedade é a faculdade de a administração julgar e executar diretamente a sua decisão, por seus próprios meios, sem intervenção do Poder Judiciário. Reafirmamos que o ato de polícia administrativa é, em regra, discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e a forma de sua realização. Neste caso, a autoridade só poderá praticá-lo, validamente, atendendo a todas as exigências da lei ou do regulamento pertinente”.

A coercibilidade é a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração. Realmente, todo ato de polícia é imperativo para o seu destinatário, admitindo até mesmo o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando resistido pelo administrado, mas, todavia, não legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência oferecida. Em tal caso, a conduta do mandante pode caracterizar-se em excesso de poder e abuso de autoridade, ensejadores de responsabilidade administrativa, civil ou criminal, para o agente arbitrário.

[4] Tácito, Caio. Princípio de Legalidade e Poder de Polícia. Revista de Direito, Rio de Janeiro, Volume nº 5, nº 10. julho/dezembro, 2001. “O fortalecimento do poder discricionário – do qual o poder de polícia é uma das manifestações mais atuantes – colocou em destaque a necessidade de aperfeiçoamento do controle de legalidade de modo a conter, oportunamente, os excessos ou violências da administração pública”.

“... o exame da motivação do ato permitirá ao controle da legalidade avaliar se o nexo causal entre os motivos e o resultado do ato administrativo atende a dois outros requisitos essenciais: o da proporcionalidade e o da razoabilidade, que são igualmente princípios fundamentais condicionantes do poder administrativo”.